Aviso num restaurante de Brighton, que o dono fez imprimir no cardápio, à revelia dos garçons:
Somos seus amigos e lhe desejamos um
Feliz Natal. Por favor, não nos ofenda, dando-nos gorjetas."
Junto à porta de saída, entretanto, os
garçons fizeram dependurar uma caixinha sob o letreiro: "Ofensas”.
E no dia de Natal, como sempre, todos os
bares de Londres permanecem fechados. Mas consegui realizar o milagre de
encontrar em Chelsea um bar aberto, lá para as dez horas da noite. Meio
desconfiado, fui entrando — logo um dos fregueses se adiantou, copo de cerveja
na mão:
— Perdão, cavalheiro, mas o senhor já
foi à igreja hoje?
E se justificou estendendo o braço ao
redor, para apontar os demais fregueses, que bebiam cerveja em
silêncio.
— Porque aqui dentro, nós todos já
fomos.
E sem esperar resposta, passou-me o seu
copo de cerveja, pedindo ao barman outro para si.
Festejou-se o Natal, já se festeja o Ano
Novo. Há, porém, muita gente na triste perspectiva de passar ambas as festas em
completa solidão. Como é o caso de Ethel Denham, ma velhinha com mais de oitenta
anos de idade.
Dona Ethel não tem filhos nem marido:
nunca chegou a se casar. Mora sozinha numa pequena casa de Exeter, fruto de sua
aposentadoria. Para que não lhe aconteça alguma coisa sem ter a quem apelar, foi
instalada à porta de sua casinha uma luz vermelha, que ela pode acender para
pedir socorro, em caso de necessidade.
Na noite de Natal esta necessidade veio,
mais imperiosa do que nunca. A boa velhinha não agüentava a idéia de estar
sozinha e passar o Natal sem ninguém. Então acendeu luz de socorro e aguardou os
acontecimentos.
Em pouco chegava um guarda de serviço,
para ver o que tinha acontecido. E viu que não tinha acontecido nada.
— Fique um pouquinho — pediu ela. —
Vamos conversar um pouco.
O guarda teve pena e resolveu ficar.
Para não estar sem fazer nada, enquanto conversava fiado com a velhinha, fez um
chá, aproveitou e lavou a louça, limpou a cozinha, deu ma arrumação na
casa.
Para quê! Há gestos de solidariedade e
compreensão que exigem outros, pois acostumam mal. Ou acostumam bem, ainda que
na simples necessidade de participar da humana convivência. A dona da casa,
encantada, na noite seguinte, depois de fazer o jantar, ficou esperando o seu
Papai Noel tornar a aparecer. Como ele nunca mais viesse, não teve dúvida:
acendeu a luz do pedido de socorro. Em pouco surgia outro guarda, para saber o
que havia.
— Fique um pouquinho — pediu ela: — O
senhor não aceita uma xícara de chá?
Mas este estava de serviço mesmo, não
era mais noite de Natal nem nada. Então confortou a velhinha como pôde e caiu
fora.
Ela, desde então, está esperando o
primeiro guarda voltar — aquele sim, tão bonzinho que ele é. Não se conformando
mais, depois de três noites de espera, vestiu um capote, enrolou-se num chale e
saiu para o frio da rua até a guarnição local, a fim de saber onde andava o seu
amigo. Mas não lhe guardara o nome, de modo que o comandante da guarnição,
apesar de sua boa vontade, não conseguiu localizá-lo. Agora, a velhinha apela
através do jornal, pedindo ao próprio que apareça uma noite dessas, para um
dedinho de prosa, para uma xícara de chá.
Outros, cuja necessidade material é mais
imperiosa ainda que o convívio, tiveram quem apelasse em nome deles durante o
Natal. O vigário da minha paróquia, em West Hampstead, resolveu perder a
cerimônia, durante a prédica:
— Vou ser claro e quem tiver ouvidos
para ouvir, ouça: estamos nas vésperas do Natal, é preciso ser generoso,
proporcionarmos aos pobres um fim de ano decente. Eles também têm direito. Quero
hoje uma coleta mais abundante que nos outros domingos. Falei claro? Pois vou
lançar mão de uma parábola, para não perder o hábito, e porque fica mais bonito.
Já usei essa parábola em outros Natais, e com grande sucesso. Lá vai ela,
prestem atenção.
E pôs-se a contar a história daquele
inglês que estava passeando pelo campo, como só os ingleses costumam fazer,
quando de repente caiu uma chuvarada. Ele, naquele descampado, não tinha onde se
esconder. Avistou ao longe uma árvore solitária, correu para lá — mas era uma
árvore desgalhada e desfolhada, quase que só tinha tronco. No tronco havia um
oco — o homem não teve dúvida: meteu-se no oco da árvore, para se esconder da
chuva.
Vai daí, no que a chuva amainou, o homem
quis sair do oco da árvore, não houve jeito: a água tinha feito inchar a madeira
e a passagem, já estreita, estreitara-se ainda mais. Ali estava ele, prisioneiro
da árvore, sozinho no meio do campo, jamais sairia dali, certamente morreria
entalado. Então começou a meditar na estupidez que fora sua vida, sempre
preocupado com o próprio bem-estar, sem jamais pensar em seus semelhantes. Nunca
lhe ocorrera dar uma esmola para os pobres no Natal, por exemplo. Se
freqüentasse a igreja da sua paróquia (e aqui o vigário fazia um parêntese: "que
certamente podia ser esta aqui mesmo, ele podia ser um dos senhores que estão me
ouvindo"), ele seria sensível a este apelo à sua generosidade. Mas não: gastava
dinheiro à toa, com bobagem, nunca abrira mão de um mínimo que fosse para
atender à necessidade de alguém. E foi-se sentindo cada vez mais ínfimo,
diminuindo diante de si mesmo, com a consciência da sua própria iniqüidade.
Deu-se então o milagre: tanto diminuiu, ficou tão pequenino, que conseguiu sair
do oco da árvore.
E o vigário arremata:
— Vamos ter uma estação bem chuvosa este
fim de ano! Cuidado com o oco da árvore em que se meterem! Lembrem-se da própria
pequenez! Dêem esmolas aos meus pobres!
Já o dono de uma área de estacionamento
de automóveis onde costumo parar o meu carro, em pleno centro de Londres,
deixa-se impregnar à sua maneira do espírito de generosidade reinante no Natal.
Tanto assim, que dei com o seguinte aviso ali afixado:
"Feliz Natal! Hoje o estacionamento
aqui é gratuito.
Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade.
Em tempo: a paz na terra aos homens de boa vontade termina impreterivelmente à meia-noite."
Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade.
Em tempo: a paz na terra aos homens de boa vontade termina impreterivelmente à meia-noite."
Texto extraído de "Livro Aberto", Editora Record - Rio de Janeiro, 2001, pág. 304.
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